SE TU GOSTAS... |EU QUERO É QUE SEJAS FELIZ| #12

Em miúdo esperava pelo autocarro e estranhava as pessoas que se colavam a mim. Já no interior do autocarro era pior ainda. Depois passei a andar de Metro, era adolescente, e os encostos/ empurrões continuavam. E é nesta fase que percebemos se somos psicopatas, ou não, e definimos muito do nosso futuro: deixamo-nos ir ao “som” do movimento do Metro e vamos descobrindo algum “mundo alheio”, ou tentamos segurar um varão e assim evitamos ir ao ginásio mais tarde? Ainda criança roubava laranjas na mercearia e esperava não ser apanhado. Até ao dia em que fui. Serviu-me de lição, tipo “só vale a pena roubar se não fores apanhado”. Mas no Metro ninguém ia perceber – aquilo abanava mesmo, e fora do meu controlo! Mas confesso que tenho laivos de cavalheiro desde pequenino e… decidi não ser psicopata.

Actualmente apenas levo uns encostos na fila do supermercado. E irrita-me profundamente. Geralmente de mulheres de meia-idade e da sua criancinha, que pensa que aquilo é normal. Parece que empurram uma pessoa, como se tivessem o direito de pagar antes de nós porque têm um carrinho cheio de Ice Tea, Oreos, chocolates, gomas, Sugus, leite com chocolate, uma promoção de chispe com grão pronto a comer e algum toucinho para juntar na açorda e, por isso, têm uma despesa maior. À parte o conteúdo do carrinho, existe outro ponto em comum quando estou na fila e “levo com elas”: só se encostam quando vêm em família. A chamada “famelga” a que eu carinhosamente chamo de família “moca”, apenas porque sim.

A família “moca” é composta por 1 ou 2 filhos com menos de 10 anos e de cabelo cortado em casa, o pai usa boné (com sol, chuva, na rua ou no interior de qualquer espaço público) e a mãe é useira de roupas estampadas, de preferência com padrões “tigresse”, tudo assim mais pró apertadinho porque, afinal de contas, todos os doces que ela come a ver a “Casa dos Segredos” não engordam...

Esta é a família que ao sábado arruma a casa (ela) e que ao domingo vão dar o belo do passeio a Sintra percorrendo sem pressas o IC19 e apreciando toda a construção até lá (sim, porque ele já trabalhou na construção e percebe da coisa – ainda ninguém lhe disse que ser trolha não nos qualifica para ser engenheiro) e que pelas 15h está de volta, ainda mais devagar, porque a bola é só às 18h e ainda têm tempo (afinal Sintra continua igual ao domingo passado e aquilo despachou-se rápido) e ela tem assim oportunidade de “dar a ferro”. “Assim aproveitas”, diz ele.

Falo da família que vai toda junta ao supermercado, e que tornam aquilo um evento. E é aqui que a inveja se apodera de mim. Apenas porque eu não consigo tirar o proveito todo desta incursão pelo mundo da Distribuição. É aqui que o casal partilha momentos de intimidade, sussurrando os preços dos brócolos e comentando a sua qualidade. A partilha assume contornos mais vincados quando ela diz em voz alta “óh Zé, não compres esses ovos que eu depois compro no Lidl lá ao lado de casa” e faz aquele olhar do tipo estou-a-dizer-te-isto-porque-lá-são-mais-baratos-e-melhores. Aqueles-é-que-é. Estes olhares, estas ‘nuances’, esta atenção, ao companheiro falando de mercearia e debatendo a qualidade do produto chega até a ser sexy… não me atrevo a pensar como será lá em casa. Por causa da tal inveja, claro. Sou invejoso… “prontos”.

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