A saudade
fica.
Sou muito português na saudade. Para mim, a sua maior
expressão é apresentada na concretização dos cinco sentidos.
Sinto saudades do arroz doce da minha tia. Daquela textura
gelatinosa e elástica que resultava do pudim que ela misturava no leite do
arroz e que tornava aquele creme amarelo tão macio. Perdi a memória do sabor e
não a vou recuperar. Mas a saudade fica.
Sinto saudades de quando chegava a casa da minha avó e havia
sempre queijo flamengo da casca cor-de-rosa (o meu favorito) que ela nos
oferecia junto com os papossecos que tinha comprado no dia. Ela não gostava,
mas eu comia sempre o queijo sem o pão (como hoje). Perdi a memória do calor
que sentia naquela casa e não a vou recuperar. Mas a saudade fica.
Sinto saudades dos olhos perscrutadores do meu avô quando me
esperava por detrás das grades da escola, à hora de saída. E dos momentos em
que me levava ao café: ele bebia um bagaço e eu ganhava um chocolate Regina com
formato de chapéu-de-chuva. Hoje, posso comprar um chocolate em qualquer caixa
de supermercado, mas a saudade do sorriso terno do meu avô enquanto lutávamos
para desembrulhá-lo fica.
Pior que as saudades das pessoas que partiram, são as
saudades dos momentos que não chegámos a viver com as pessoas que seguiram
outros caminhos. Sinto falta da Filipa. Olho para o lado e vejo famílias,
homens com as suas mulheres e filhos a passearem num Domingo à tarde e receio
tornar-me num tipo solteirão sozinho que deixou escapar aquela mulher que o
fazia feliz. Porque é que há coisas que só nos apercebemos depois? E como é que
sabemos se é tarde demais? Sinto falta das suas piadas, da sua curiosidade, dos
seus olhos dançantes, dos jogos infantis que inventava para nosso recreio, das
suas idiossincrasias. Sou consciente das ocasiões que não partilho com ela e
que um dia espero conseguir mudar, mas por ora…
“Vivo de saudades, amor
A vida perdeu fulgor,
Como o sol de Inverno
Não tenho calor”
(Sol de Inverno
– Jerónimo Bragança)
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