ESTAMOS CADA VEZ MAIS SÓS (?)

Desde o programa "Casados à Primeira Vista", o primeiro deste género e intitulado de experiência social, que (me) soou o primeiro alerta- O que leva pessoas de várias idades, experiências e condições sociais a colocarem nas mãos de terceiros a(s) sua(s) vida(s), de livre e espontânea vontade. 

Tenho esta “mania” de não conseguir ficar pela rama e de ver sempre para além da coisa em si, e apesar de muitas vezes o facto de o mundo inteiro falar sobre um assunto me fazer perder a vontade de o alimentar, o tema e o que representa (na minha opinião) parece-me demasiado sério e importante para deixar passar. Não pelas razões apontadas (também elas importantíssimas, atenção)- a degradação, a exploração, a ausência de valores, etc., mas sim o enorme vazio que isto tudo representa- o vivermos numa era em que escolhemos (ou alguém escolhe por nós) pessoas como se de uma peça de roupa se tratasse. Se até para escolher vestuário hoje se apela tanto a escolhas conscientes e ao consumo sustentável, não deveríamos praticar, e cada vez mais, esse mesmo princípio em questões como- com quem vamos namorar, casar, morar, etc.? 

Em meses, vimo-nos inundados deste género de formato televisivo, que capotou nos últimos dois, exibidos no passado Domingo, que tanta polémica estão a gerar. Não vi o "Quem quer casar com o meu filho?" pois só o título já chegou para me poupar, mas assisti ao exibido na Sic e a questão de fundo voltou- O que leva pessoas de várias idades, experiências e condições sociais a colocarem nas mãos de terceiros a(s) sua(s) vida(s), de livre e espontânea vontade? 

Não me parece que seja a fama que quem participa queira alcançar até porque, na minha opinião, esta assemelha-se muito à maior parte da música do século XXI, ou seja a maioria dura "5m" logo é efémera, e assim como não acredito que existirão mais "Abba", "Queen", etc. também não acredito que o estatuto de figuras públicas que estas pessoas alcançam em dias prevaleça no tempo. 

É preciso perceber o fenómeno que está a acontecer e porque é que existe hoje uma porta ou portão aberto para este tipo de programas. Andamos tanto tempo a viver em ditaduras- que se definem por não sermos livres para fazer as nossas escolhas- para agora colocarmos nas mãos de outros decisões tão importantes como as pessoas a quem damos o nosso tempo, afectos, atenção, etc. com a agravante da exposição e escrutínio público que essa mesma decisão acarreta. Em segundos uma D. Zélia passa a ser a pessoa mais falada do dia, passamos a saber tudo das “Donas Zélias", deste pais, de forma que é tudo menos informativa e isso é-nos, hoje, normal. Diria até corriqueiro. Escolhemos pessoas como se estivéssemos e folhear um qualquer catálogo da La Redoute e isso é-nos normal. Esquecemo-nos de preservar algo de tão nosso como é a intimidade e isso é- normal. 

Se voltarmos umas décadas atrás, ou ainda hoje em certas culturas, ficamos horrorizados quando pensamos que os casamentos eram ou são arranjados pela e entre famílias, mas o que se passa hoje com estes programas e todo o tipo de aplicações que existem para conhecer pessoas já achamos, uma vez mais, normal. 

Assistimos a um desfilar de pessoas a serem definidas pelos rodapés “Rita Alexandra- 35-  Cabeleireira”. E se pensarmos, estes são os dados que queremos logo saber, sobre alguém, como se (nos) dissessem (na verdade) alguma coisa sobre a pessoa. Não somos o nosso nome, nem idade, nem profissão, somos muito mais que isso. 

O que aconteceu, no passado Domingo, foi um culminar, ou um chegar ao fundo que há muito se anunciava. Os sinais já estavam cá todos. Qualquer um dos dois é apenas um espelho que escancarou o que não queremos ver, e é preciso parar para pensar no que este tipo de modelos de programas, independentemente de vermos ou não, dizem da sociedade e do mundo em geral em que vivemos. 

Volto ao princípio e ao título deste texto, mas retiro a interrogação. Estamos cada vez mais sós e isso, mais que qualquer modelo televisivo, é que é (verdadeiramente) preocupante.

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